“Na hora em que eu coloquei a mão no petróleo, na hora em que eu senti o cheiro daquele petróleo. E saber que eu estava mexendo em uma coisa que foi criada a 160 milhões de anos atrás, e que estava ali na minha mão, e que eu pude trazer um barrilzinho daquele da Petrobrás que vai ficar no gabinete desse país, porque isso faz parte da história do país, eu realmente me senti o mais orgulhoso dos brasileiros. Não é apenas você tirar petróleo e vender petróleo, o que por si só já seria importante. Mas nós queremos tirar petróleo, queremos refinar petróleo aqui no Brasil e queremos vender os subprodutos do petróleo. Queremos vender os derivados do petróleo com alto valor agregado, gasolina de qualidade, óleo diesel de qualidade, ter uma grande indústria petroquímica no Brasil, para que agente possa criar muito dinheiro.” (Presidente Lula fala sobre extração do primeiro óleo do pré-sal, you tube, 20/072010, Programa Café com o Presidente TV NBR).
Os passos e pactos para uma civilização petroleira.
Através de comunicado ao mercado, de Março de 2007, a Petrobrás informou a descoberta de reservatórios saturados com óleo leve (em torno de 30° API), posicionados abaixo de uma espessa camada de sal na Bacia de Campos no litoral do Espírito Santo. Em 15 de Julho de 2010, o ex-presidente Lula já inaugurava a fase de produção comercial do Pré-sal. Em estratégica imagem para registro histórico, referência direta a Getúlio Vargas, Lula suja as mãos com o primeiro óleo extraído no Parque das Baleias, localizado a 85 km da costa capixaba.
A descoberta de óleo e gás em profundidades abaixo de 5 mil metros da superfície do mar, ao longo da Costa Atlântica, foi saudada no país e no Espírito Santo como marco e promessa de um novo ciclo de desenvolvimento econômico. De fato, estimado entre 70, 100 e até 200 milhões de barris equivalentes, o pré-sal garantiria 10 trilhões de dólares na economia brasileira, apenas em óleo cru . Um valor de mais de 4 PIBs, cuja exploração vem mobilizando macro-estratégias corporativas, financeiras, políticas e tecnológicas.
No plano político, a divisão dos royalties do petróleo abala os alicerces do velho pacto federativo brasileiro. Divididos entre “produtores” e “não produtores”, estados e municípios reivindicam sua parte equivalente, mobilizam seus aparelhos e sociedades para a defesa de seus interesses na construção de um marco regulatório. No Espírito Santo e no Rio de Janeiro, estados “produtores”, os governos organizaram, em 2011, marchas e manifestações contra a proposta de marco regulatório em debate no parlamento. Para argumentar uma divisão de royalty que beneficie o Espírito Santo e o Rio de Janeiro, e somente nesta circunstância, os governadores Renato Casagrande (PSB) e Sérgio Cabral (PMDB) salientam os riscos sociais e ambientais da indústria petroleira: vazamentos de óleo e gás, contaminação do mar, poluição do ar, inchaço das periferias nas pequenas cidades, colapso dos equipamentos urbanos. Ao mesmo tempo, na câmara federal e ainda mais no senado, os demais estados da federação, “não produtores”, constroem ampla maioria parlamentar, isolando as bancadas do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, reivindicando os royalties como direito a uma divisão mais igualitária do próprio desenvolvimento. O debate embaralha o jogo partidário no legislativo, expõe o poder executivo à herança de um conflito histórico – regional x nacional – da vida republicana brasileira, e apela para um longo processo no judiciário. A garantia do pacto federativo exige uma complexa construção política e jurídica.
No âmbito dos agentes e corporações econômicas a exploração do pré-sal abre novos nichos de investimentos no Espírito Santo, ao mesmo tempo em que retroalimenta a expansão das cadeias extrativas e complexos industriais já instalados no primeiro boom desenvolvimentista do final dos anos 60. Para abastecer o boom petroleiro atual, suas plataformas, navios, dutos, instalações, se alavanca em larga escala a mineração e a siderurgia. Bem como os setores de logística, naval, além dos complexos portuários, ferroviários e rodoviários. Por outro lado, para compensar suas emissões de CO2, serão “necessários” mais investimentos em eucalipto, hidroelétricas e cana de açúcar, em um mercado interno de Carbono já esboçado no Programa nacional sobre mudanças climáticas de 2008. O financiamento da exploração do pré-sal reflete sua centralidade nas prioridades de investimentos do governo federal (PAC) e estadual (Espírito Santo 2025), do BNDES, do Ministério das Minas e Energia e da própria Petrobrás. Na lógica desenvolvimentista e sua equação puramente econômica, para se ganhar 10 trilhões, deve-se investir algumas centenas de bilhões, que faltam! Para os riscos e para os afetados pelo complexo, a filosofia da compensação, pelo menor custo e maior tardar. Mesmo a segurança das reservas do pré-sal abre nichos econômicos para a aquisição de armamentos no mercado mundial da guerra, um traço bastante característico de regiões “petroleiras”. De qualquer forma, um segundo pacto se faz necessário, desta vez entre corporações produtivas e financeiras, públicas e privadas, nacionais e internacionais, em complexo cenário geo-político de crise econômica internacional, aumento da demanda por combustíveis fósseis e aquecimento global.
No plano da sociedade civil brasileira, alguns movimentos sociais rurais e sindicatos de trabalhadores urbanos se engajaram na campanha nacional “O petróleo é nosso!”, reeditando um slogan dos anos 30 e 40, centrado na defesa do pré-sal como recurso da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que propõem um debate transparente sobre a aplicação dos royalties, priorizando projetos de saúde, educação, meio ambiente, visando a melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade. Em tom mais nacionalista, “O petróleo é nosso” também é gritado por setores conservadores ligados a complexos nacionais interessados na exploração do pré-sal, e mesmo militares interessadas na ampliação da frota bélica para a defesa das reservas. Durante a campanha eleitoral de Dilma, em 2010, Lula demarca com os “neoliberais privatizantes” e “sociais democratas” do PSDB de Fernando Henrique e Serra, associando explicitamente sua imagem à de Getúlio Vargas, em defesa da não privatização da Petrobrás. Para a capitalização da empresa, o governo sacou 50 bilhões de reais do Tesouro Nacional e o plano de negócio chega a 220 bilhões entre 2011 e 2015. Financiando os atletas olímpicos, os clubes de futebol, os artistas cênicos e músicos, o carnaval, o discurso nacionalista da empresa estatal induz na sociedade civil uma expectativa ufanista de que, finalmente, o Estado do Bem estar social se dará para a sociedade brasileira. Se aposta no Pré-sal como garantia de direitos, em terras onde sempre foram violados.
Para além da ficção petroleira, a campanha do “Petróleo é nosso!” pouco tem perguntado pelas consequências de um aprofundamento da lógica petroleira na sociedade brasileira e capixaba em particular. Os riscos de vazamentos a milhares de metros de profundidade (tal como o da BP no Golfo do México, o da Chevron no RJ), as plataformas, sob segurança nacional, interditando o acesso ao mar de pescadores tradicionais, os dutos cruzando comunidades rurais e florestas, o alto risco de uma economia dominada pelo petróleo . Afora questões mais gerais sobre uma sociedade que se aprofunda na exploração e queima de combustível fóssil, em um cenário de crise climática e civilizatória.
Em uma lógica unilateral que flexibiliza leis, que expulsa comunidades, que polui terra, mar e recursos hídricos, o crescimento econômico do Espírito Santo (acima da média brasileira) não se distribui para a grande maioria da sociedade civil capixaba, e nem sequer compensa um conjunto significativo de afetados ambientais e sociais, entre camponeses, quilombolas, indígenas, sem terras, pescadores, trabalhadores rurais e habitantes de periferias urbanas. O Espírito Santo reflete a expansão desenfreada desse modelo de desenvolvimento, aprofundando a injustiça ambiental, provocando novos conflitos, sem resolver a histórica dívida social e ambiental dos grandes projetos instalados desde os anos 70.
Conflitos sociais e ambientais da instalação do complexo petroleiro no Espírito Santo.
Com as primeiras pesquisas no final da década de 50 e o começo da exploração em 1973, em São Mateus, foi no início deste século que os índices de extração estadual destes combustíveis fósseis ganharam projeção nacional. Inicialmente, os campos terrestres no norte do estado concentravam as maiores fontes de petróleo, com destaque para a Fazenda Alegre, em São Mateus na Bacia do Espírito Santo. Já na década de 70 e ganhando mais impulso no início dos anos 2000, os campos marítimos tanto na Bacia do Espírito Santo (ao norte) quanto na Bacia de Campos (ao sul), foram incrementando o volume de petróleo e gás extraído, conforme as descobertas iam se dando, com destaque para Cangoá e Peroá, na primeira Bacia e no campo de Jubarte no Parque das Baleias e Golfinho, na segunda.
Em 2006 o Espírito Santo ganhou o título de 2ͦ maior “produtor” de petróleo do país, e hoje conta com 15,7% das reservas brasileiras alcançando a marca de 347.120 bbl/d, bem como de gás natural também com 17,4% das reservas brasileiras e “produção” de 12.431 Mm³/d (conforme Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural de dezembro de 2011 da ANP). Também em 2006 se deu o ápice das projeções petrolíferas com a descoberta de novas fronteiras exploratórias de petróleo leve na camada do pré-sal no campo de Caxaréu. Já se calcula que da área total no Brasil (149.046 km²), 6,97% estão localizados na plataforma continental do ES com reservas estimadas em até 12 bilhões de barris.
Neste entremeio, uma vasta estrutura foi se instalando pelo território, revelando a imensa dimensão desta atividade e de toda a sua cadeia produtiva. Imperceptível aos olhos dos cidadãos comuns, por estar adormecido por milênios no subsolo, a existência e a insistência pelo petróleo e gás passa a ser perceptível com a instalação de uma complexa malha de infra-estrutura ao longo de toda a sua cadeia produtiva, demonstrando que despertaram o belo adormecido e que à fórceps, será extraído do ventre da mãe Terra. São plataformas, navios, estaleiros, embarcações de apoio, bombas cavalo de pau, gasodutos, oleodutos, unidades de processamento, unidades de ajuste, unidades e estações de tratamento, estações de compressão…. além dos edifícios administrativos. Na capital Vitória, estes edifícios se espalham ao longo das principais avenidas da cidade. Na tradicional Reta da Penha, a Petrobrás conseguiu com seu monumental edifício, entortar a retilínea avenida mirante do Convento da Penha, demonstrando o seu poder. No minguado aeroporto, garantiu uma área exclusiva para transações da empresa e na Universidade Federal, encheu o campus de Goiabeiras com vários prédios e programas que comprometem qualquer tentativa de isenção acadêmica.
As perspectivas são ainda mais vertiginosas com inúmeras novas instalações e investimentos bilionários. Conforme o Instituto Jones dos Santos Neves (vinculado à Secretaria de Estado Economia e Planejamento), dos investimentos totais em infraestrutura previstos pelo Estado entre 2008 a 2013, 40,1% serão destinados ao setor de petróleo e gás natural. Dos recursos federais do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para o ES de 2007 a 2010, 90% dos investimentos seriam destinados à infraestrutura energética (segurança energética, equilíbrio tarifário, implantação de novas usinas de geração de energia, desenvolvimento e ampliação da produção de petróleo e gás natural e expansão da malha de gasodutos), conforme dados do próprio governo federal.
Daí alguns dos projetos previstos, almejados e anunciados na mídia regional: Terminal de GNL e C5T – terminal privativo de uso misto no Porto de Barra do Riacho/Aracruz, para escoamento de gás natural liquefeito (GNL) e gasolina natural (C5T), para exportar o gás tratado em Cacimbas, Linhares; Porto de suprimentos de serviços para plataformas no Estado, em Ubu/Anchieta (investimento de R$800 milhões); UTG Sul – a Unidade de Tratamento de Gás Natural faz parte dos projetos fase II do Campo Jubarte; UTG Cacimbas; 9 termelétricas (5 movidas a gás natural liquefeito (GNL) e 4 a óleo combustível) – potência total de 2.000 MW; 7 plataformas marítimas de produção (3 no Parque das Baleias, 3 em Golfinhos e 1 no bloco BC-10); Complexo Gás-Químico Unidade de Fertilizantes Nitrogenados -IV (UFN-IV), em Linhares- para Petrobras produzir 665 mil toneladas por ano de uréia integrada à produção de 684 mil toneladas por ano de metanol, 200 mil toneladas por ano de ácido acético, 25 mil toneladas por ano de ácido fórmico além de 30 mil toneladas por ano de melamina; Estaleiro Jurong Aracruz – destinado à construção de sondas de perfuração, plataformas de exploração e de produção e ao reparo naval.
Das empresas operadoras e sócias dos blocos concedidos pela ANP, nas duas Bacias em terra e no mar, há um enorme predomínio da Petrobrás. Além dela, algumas das outras empresas relacionadas a exploração de petróleo e gás no Espírito Santo são: Amerada Hess , Chevron Texaco, Devon, El Paso, EnCana , Eni, ExxonMobil, Kerr-McGee, Koch, Newfield, Partex, Petrogal, Petrosynergy, Repsol, Shell, SK Corporation, Synergy, Statoil, Vitória Ambiental, Wintershall.
Deste horizonte petroleiro traçado nos planos governamentais, base do Plano de Desenvolvimento Espírito Santo 2025, muitas questões ficam omissas e sob suspense, e muitas outras vozes são silenciadas. São justamente destes pontos que gostaríamos de tratar aqui, ponderando a euforia do “ouro negro”.
Ainda que os impactos negativos sejam reconhecidos nas diversas teses acadêmicas disponíveis nas Engenharias da Universidade, nos EIA/RIMAS, em materiais da própria Petrobrás e mesmo como justificativa nas reivindicações pelos royalties (R$1,2 bilhão), pouco se tem feito em relação aos diversos acidentes já ocorridos no estado. Mesmo que a equação petróleo = vazamentos seja uma realidade, previstos inclusive nos planos de extração da empresa, estes riscos são considerados menos importantes do que os recursos provenientes desta atividade. As propostas de mitigação e/ou compensação são ínfimas perto dos prejuízos alcançados e ainda que o Estado e municípios recebam fortunas em royalties, muitos destes acidentes são praticamente irreversíveis e os governos admitem a sua inaptidão em lidar com estes casos (conforme notícia no site do EcoDebate em 6/5/2010). Portanto, ainda que políticos de direita e esquerda clamem em uníssono pelo “direito” aos royalties, como fizeram em 2011 durante a grande manifestação organizada pelo governo estadual, todos sabem que não são estes recursos que resolverão os impactos gerados, nem tampouco beneficiarão a população propriamente. Da experiência capixaba, temos vivenciado uma enorme oportunidade de manipulação desta verba, como aconteceu no município de Fundão em 2011, com a prisão de vários membros do primeiro escalão do executivo municipal, por desvio destes recursos e também Presidente Kennedy, município campeão em arrecadação de royalties no Estado (R$ 111 milhões, em 2010), maior arrecadador per capta do Brasil e com IDH abaixo da média do país, driblando em 2011 estes recursos com uma superlicitação para obras, conforme noticiado.
Do que a mídia regional já divulgou de acidentes, podemos lembrar alguns: despejo no mar de oitocentos litros de óleo provenientes do navio Japurá, atingindo as praias de Vila Velha (1995); explosão provocada por uma falha de uma válvula de bloqueio da plataforma na plataforma P-34, no Campo de Jubarte, causando a morte do caldeireiro William Vasconcelos (2009); vazamento de gás por rompimento de uma tubulação subterrânea em um dos poços terrestres de Cancã, em Portal do Ipiranga, Linhares, alcançando mais de 30 m (2009); vazamento de óleo em uma operação de carregamento de navio da Transpetro, praia de Barra Nova, em São Mateus com peixes mortos, cata de caranguejo parada e mais de 10 km de praia poluída (2009); vazamento de petróleo bruto em uma monobóia do Terminal Norte Capixaba, no município de São Mateus com vazamento de cerca de dois mil litros de óleo para o mar (2009); contaminação da água e da areia da praia do Degredo por lançamento de petróleo no mar (2009); vazamento de cerca de 1.200 litros de óleo do duto de uma estação de bombeamento da Petrobras que contaminou milhares de metros quadrados de área rural, próximo ao balneário do Pontal do Ipiranga, em Linhares (2011); vazamento de óleo de um duto da Petrobras, próximo ao ponto 16 da Estação de Tratamento de Fazenda Alegre em Jaguaré atingindo um córrego (2011).
Basta, no entanto, conversar um pouco com os pescadores, camponeses, quilombolas e indígenas, diretamente impactados pela exploração de petróleo e gás ou mesmo com trabalhadores de plataformas, para verificar que são muitos mais os acidentes, as perdas e as injustiças ambientais geradas com estas atividades. Diminuição e mesmo extinção de várias espécies de peixes, com as pesquisas sísmicas, vazamentos, ruídos, luminosidade, lamas sintéticas e lixos lançados das plataformas ao mar, suspensão de sedimentos, contaminação, colisão com animais marinhos, restrição das áreas de pesca, são um prejuízo inestimável ao setor pesqueiro e muitos pescadores acusam as empresas petroleiras como responsáveis pelo fim da profissão, descontinuando a tradição de transmissão desta de geração a geração. “Sustentei meus 3 filhos da pesca e agora nenhum deles acredita mais nesta fonte de renda e estão buscando outras profissões”, diz um pescador de Jacaraípe, na Serra. “A pesca está acabando. Daqui a pouco, peixes serão só de cativeiro”, conforme outro pescador de Conceição da Barra. A saída de muitas associações de pesca tem sido a sobrevivência a partir da venda de gelo, alternativa compensatória que a Petrobrás oferece. Enquanto isso os impactos são vistos diariamente por quem freqüenta o alto mar: “Constantemente, durante a pesca, nós avistamos manchas de óleo em alto mar”, conta um pescador de São Mateus. “As âncoras tipo torpedo ou raia, lançadas das plataformas, saem rasgando e arrastando recifes de coral”, revela um trabalhador de plataforma.
Nas comunidades quilombolas do Sapê do Norte, o gasoduto Cacimbas-Catu que é parte do projeto Gasene, interligando o sudeste com o nordeste, se impôs ao território tradicional, como no caso de São Jorge, em São Mateus onde os quilombolas desavisados, ao assinar a lista de presença de uma reunião organizada pela Petrobrás estariam, conforme a empresa, concordando com a instalação do duto dentro das suas terras. Conseqüência disto foi que o duto passou por debaixo do pátio da escola, inviabilizando o seu uso para as crianças e demais usos comunitários, além de terem um córrego drenado e destruído após a passagem da tubulação. Como condicionante do licenciamento destas obras, a empresa tinha que fazer um trabalho de educação ambiental e com uma empresa contratada de fora, realizou oficinas de material reciclado para as crianças e ensinou como economizar água, numa realidade onde a água já é um bem pra lá de escassa. Em outras comunidades da região, como Divino Espírito Santo, o que vem se dando é a descoberta de novos poços de óleo e gás terrestres e daí os quilombolas são obrigados a ceder parte de suas terras agricultáveis para esta exploração que por estar no subsolo, pertence à União e passam a conviver com o cheiro intragável desta atividade.
Em terra ou no mar, impressiona a forma como a Petrobras e os órgãos licenciadores, tratam as comunidades e a população que ousam questionar o seu projeto e como os licenciamentos são concedidos a qualquer custo. Em 2010 o MPF/ES entrou com uma Ação Civil Pública para suspender a licença prévia concedida pelo IEMA (Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) à Jurong para implantar o estaleiro em Aracruz, uma vez que os próprios técnicos do órgão licenciador reconheceram no EIA/RIMA 88 irregularidades do empreendimento e sugeriram a não implantação do mesmo, o que foi negado pela Diretoria do Instituto, que agilizou ainda mais o licenciamento, além do empreendimento ter sido beneficiado com terras públicas já que o governo estadual quer “ganhar” a concorrência entre estados a qualquer custo. As irregularidades vão de danos ambientais irreversíveis por se dar em área de alta relevância ambiental e destinada a Unidades de Conservação Federal (Área de Proteção Ambiental Costa das Algas e Refúgio de Vida Silvestre Santa Cruz) a impactos econômicos da população que habita o entorno do empreendimento. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também entrou com processo como amicus curiae (amigos da corte) contra o licenciamento, todavia a Justiça Federal negou o pedido de suspensão apresentado pelo MPF e o atual governador lançou em 2012 a pedra fundamental do empreendimento.
Em junho de 2011, durante uma audiência pública em Vitória para o licenciamento do gasoduto marítimo Sul Norte Capixaba (responsável em levar o gás da camada do pré-sal do sul até a UTG de Linhares), na primeira pergunta após apresentação do IBAMA/Petrobrás onde constava como única forma de mitigação de impactos junto aos pescadores, a criação de um canal de comunicação, uma pescadora de Conceição da Barra quis saber porque não tinham recebido nenhuma indenização de um vazamento ocorrido na região. A mediadora do órgão licenciador sugeriu que ela saísse da sala para conversar a sós com a responsável da empresa, o que foi altamente questionável por muitos já que se tratava de uma audiência pública, inclusive pelo vereador Zezito Maia, que acabou sendo expulso pela mediadora, porém acompanhado por praticamente toda a platéia, em protesto.
Também em Palhal, comunidade camponesa de Linhares, em dezembro de 2011, em reunião realizada pela Petrobrás para informar da implantação da UFN-IV no centro da comunidade e a necessidade de desocupação de ao menos 25 famílias locais de suas terras, quando questionados do desrespeito pelo seu modo de vida, o consultor diz que a empresa não é filantrópica para dar garantias econômicas e a empresa reforça a importância de se adaptarem já que a vida de agora em diante será outra mesmo. Ainda questionando o EIA-RIMA que só aponta as espécies da fauna e da flora e ignora a presença humana na região assim como fez Pero Vaz de Caminha para a corte portuguesa, a relatora diz haver muita diferença entre as duas, pois esta “… se refere à época da escrita e Pero Vaz escreveu sozinho enquanto o atual relatório foi construído em equipe”, deixando entre os camponeses a nítida impressão das semelhanças entre os portugueses da época do “descobrimento” e a Petrobrás, por ambos desconsiderarem e desrespeitarem a presença dos moradores tradicionais do local. Este Complexo Gás-Químico Unidade de Fertilizantes Nitrogenados -IV (UFN-IV), em Linhares, vem sendo justificado de acordo a “deficiência nacional”, conforme citado no Plano de Desenvolvimento ES 2025: “A balança industrial da petroquímica vem sendo cronicamente deficitária. Faz se necessário uma retomada do desenvolvimento petroquímico nacional. O desenvolvimento de reservas de gás natural no Espírito Santo é de extrema importância para esta retomada de posição da petroquímica, reequilibrando o balanço de divisas do setor. Além disso, pretende-se oferecer ao mercado produtos a preços pelo menos competitivos com os produtos importados.” Desta forma, a premissa é não depender mais das empresas Bunge e Cargil que controlam o mercado de fertilizantes no Brasil e nacionalizar a produção. Porém, fica claro o comprometimento do setor petroleiro com o do agronegócio já que estes derivados servem à pecuária, madeireiras e agricultura que no atual modelo estão condicionados a esta química. No entanto há uma grande Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida por parte da sociedade civil organizada no Brasil que denuncia este modelo agrícola, que fez do Brasil o campeão em consumo de agrotóxicos no mundo e está gerando graves impactos para a saúde da população e todo o meio ambiente.
Ainda neste caminho contraditório com a garantia do bem estar da população, o governo estadual cria uma Política Estadual das Mudanças Climáticas em 2010, com “o objetivo de dispor sobre as condições para as adaptações necessárias aos impactos derivados das mudanças climáticas globais, bem como contribuir para reduzir ou estabilizar a concentração dos gases de efeito estufa – GEE na atmosfera, promovendo o desenvolvimento sustentável”, com proposta de financiamento a partir justamente dos royalties do petróleo e gás, a exemplo dos 3% dedicados aos pagamentos por serviços ambientais. Ou seja, aqueles que mais contribuem com as mudanças climáticas, com a queima combustíveis fósseis, serão os financiadores de uma política para combater os seus próprios males. Faz sentido?
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